Gijoe, o DJ do MCs algarvios

"Não me vou corrigir nunca".
Gijoe, o DJ do MCs algarviosTem 26 anos, é arquitecto de profissão e dos mais aclamados 'disc jockeys' de 'hip hop' do Algarve. A música surgiu contextualizada na sua paixão pelos patins, que o fez pressionar a autarquia portimonense ao longo de oito anos para ver surgir o Parque da Juventude, e como escape à pressão do curso em que se formou. É - ainda é - quem melhor 'risca' na região algarvia.

Rafael Luís Cardoso Correia, 26 anos, formado pela Universidade Lusíada e com Conservatório pela Joly Braga Santos em Portimão, de piano, formação musical e coro, os seus maiores 'hobbies' são os patins e a música, aquela sem regras a que ele gosta de apelidar de "street music", onde é conhecido como Gijoe. É no 'hip hop' que mais o aclamam até porque é quem instrumenta o movimento de reivindicação de voz, como o próprio designa, do "dom da palavra." Não foi a sua formação clássica que o empurrou para o meio artístico da música embora assuma que o faz manter-se mais estável no panorama: "Sinto que foi fundamental para agora conseguir desenvolver mais facilmente, tanto a nível de instrumentos como de bases musicais e, actualmente, faço a minha produção em computador, em máquinas, muito à base de 'samples', ou seja, bocados de músicas retiradas de discos de outras pessoas, de forma a reutilizar e refazer - considero que essa música é tão boa que ainda pode ser utilizada novamente", garante, justificando o porquê de não ter prosseguido com essa formação: "Parei porque nessa altura da minha vida não era bem isso que eu queria, queria era andar de patins, já tinha a escola que me ocupava o tempo fechado na sala e não queria ir-me fechar noutra. Precisava de tempo para mim e não era a música que me estava a dar esse gozo."Foi exactamente a patinar que começou a interessar-se pelo género musical, considerando que todos os seus 'hobbies' estão encadeados, embora o 'hip hop' tenha começado a fazer demasiado sentido para o consumir apenas conforme lho dão: "Eu já ando de patins há muitos anos, desde os 12, os meus pais já tiveram uma loja desses artigos, patins e 'street wear', e foi muito nesse meio, nos filmes americanos de patins e respectivas bandas sonoras, que quis conhecer mais alguma coisa sobre o 'hip hop' e até hoje é isso que eu sinto, sou um consumidor desse tipo de música, o que me dá mais gozo é comprar um disco novo que tenha saído e ter aquela música realmente boa. Continua a ser assim e acho que tem de ser. Esse interesse foi muito natural, a curiosidade foi tão grande que quis saber como funcionava e a melhor maneira foi experimentar", afirma. Comprou os primeiros pratos e uma mesa de mistura em 1999, quando foi estudar para Lisboa, o básico, e foi aí que começou, sem grandes intenções de alguma vez fazer carreira disso como, garante, ainda hoje não tem, mas acredita que a culpa não é só da falta de procura até porque "nem é muito fácil de fazer como se gosta em Portugal - ou por não haver mercado ou mesmo cultura, ou se são as pessoas que não vêem este tipo de música da forma que deveriam ver."

Arrastado para a música
Considera estar na música um bocado "por empurrão", porque foram puxando por ele, mas mantém o cepticismo de quem acha que pode sempre fazer mais: "Eu acho que fui o último a acreditar no que fazia, para já porque não queria pôr – e ainda hoje não quero – a música à frente do meu trabalho e dos meus estudos, até porque a usei como escape – o meu curso foi um bocado intenso e então, em vez de ver televisão, ia para o computador fazer música, misturar os discos. As pessoas que estavam à minha volta foram-me dando 'feedback', o pessoal que andava de patins, etc. Entretanto chegou uma altura que vi o que muita gente me andava a pedir, que era fazer um cd, para o qual convidasse as pessoas do Algarve, numa chamada 'mixtape' [compilação de músicas e faixas] e que levasse a voz dessas pessoas ao resto do país. Que foi o que eu fiz nessa altura, quando tinha mais tempo. Aí apliquei-me, e lancei um cd assim, independente. Tenho o álbum, "Música de Palavra", lançado por mim", assevera Rafael, assumindo-se também como produtor das suas próprias músicas, onde assina como "Sickonce", uma crítica a si próprio: "Eu não toco os instrumentos todos, não faço pelas regras e, então, vem essa questão do sick = doente - a partir do momento em que fiz a primeira coisa mal feita vou para sempre ser assim e é assim que eu vou fazer a minha música, não me vou corrigir nunca", conclui.

Foi precisamente esse álbum que o levou ao "Nação Hip Hop", o programa da Antena 3 do Rui Miguel Abreu, para grande surpresa do dj que nunca pensou que o cd que enviou para o programa fosse realmente escutado: "Quando lancei o meu primeiro trabalho, que considerava ser praticamente a nível do Algarve, chegava no máximo ao Alentejo... de repente recebo esse convite do Rui Miguel Abreu para ir ao programa dele e, qual não foi o meu espanto, duas semanas antes de ir lá, quando me dizem para ligar o rádio nessa frequência e ele estava a fazer um programa especial do meu trabalho, passou o 'mixtape' todo do "Música de Palavra" na segunda hora, faixa a faixa, falou sem nunca ter falado comigo. Entretanto convidou-me, fui lá, demo-nos bem, já voltei para falarmos de vários trabalhos e aí senti mesmo que não era alguém do meu grupo que me estava a reconhecer, era alguém de fora, ainda por cima alguém que percebe tanto desta área como ele", sendo precisamente neste ponto que justifica o não se considerar sequer famoso porque, como assume: "Nos concertos eu sinto que quem está ali são os meus amigos, são pessoas que sinto que conheço e posso falar na boa, por isso não sinto essa coisa de ser conhecido nesse sentido."Autógrafos só mesmo nos patins, quando fez, durante quatro anos, demonstrações por Lisboa em nome do Instituto das Drogas e Toxicodependência, pelo 'tour' "Agarra a Vida". Nessa altura andava pelas escolas de patins, em rampas, e no fim fazia parte de uma palestra onde expunha as suas opções de vida, e são estes que considera serem "autógrafos a sério", não os cds que assinava nos concertos.A primeira produtora com que trabalhou foi a "Chocolate Bars", editora do Twism, um cantor de 'hip hop' português, da zona de Quarteira, participando posteriormente no primeiro álbum do Royalistick, ambos mestres-de-cerimónias (mcs) de profissão: "Eu sempre funcionei de forma independente – o meu primeiro trabalho foi assim, fiz, montei os cds, pus na caixa, dobrei a capa que veio da gráfica [risos], fiz aquilo tudo com a ajuda de amigos e do 'designer'. Fiz os concertos para o Twism, estou nas faixas, nos dois videoclips que ele tem, não tenho contrato de exclusividade com editora nenhuma, portanto, estou cem por cento disponível a trabalhar com eles. "A Kimahera, uma editora sedeada em Armação de Pêra e que se tem destacado no 'hip hop', foi o primeiro estúdio que contribui para que, a par com o mc Reflect (quem o ergueu), se construísse uma família que leva consigo para os concertos: "Dou tudo o que posso para que a editora tenha sucesso, porque é com o que eu me identifico. Os mcs são pessoal que já estava junto, que nós fomos buscar e que se identificou com o projecto. O que está a acontecer é que, por exemplo, eu dou um concerto e no cartaz vai aparecer Gijoe (Kimahera) – eu vou levar pessoal de lá. Às vezes nem é preciso dizer quem são. As coisas funcionam muito assim porque é uma equipa", atesta. Família são também os "Dúvida Geradora de Pensamento Gerador" (DGPG), o grupo que considera fazer mesmo parte e que se conheceu também nos patins, onde descobriram ter mais coisas em comum, e que considera ter-se formado "muito por acaso", que cresceu recentemente, juntando aos três elementos-base (Kaveiras, Estafeta e Gijoe), o mc Castiga e a Lady N, referindo-se a ele como "mais um grupo de amigos", já que não existe nada lançado.Compreende que o 'hip hop' seja considerado um estigma, ao qual atribui parte da culpa a programas de música como a MTV e a quem não procura saber o verdadeiro sentido do movimento: "O 'hip hop' é associado às classes baixas e tem muito a ver porque foi nesse meio que surgiu e há uma predisposição das pessoas que vivem com menos condições - é uma música que é possível fazer com menos dinheiro até um certo nível, depois são precisas as condições que toda a gente tem, estúdios e por aí – ele nasceu nas ruas. Mas o que acontece é que quem faz clips a torto e a direito e tem dinheiro para isso são os grandes. O 50 Cent está-se a borrifar que a música seja boa, quer é vender, logo, é isso que passa mais vezes. E é isso que as pessoas acham que é o 'hip hop' - o estereótipo do 'bling bling', dos carros e das gajas e de não dizer nada de jeito. É o novo-riquismo do género e é um bocado contra isso que nós jogamos" defende, afirmando que já conseguiu "converter" amigos ao verdadeiro sentido da sua música: "Eu também, sinceramente, não gosto de ouvir o 50 Cent em casa, ou seja, percebo quem critica o 'hip hop'. Tenho muitos amigos que não gostam do género, mas também tenho muitos que aprenderam a gostar dele porque eu tive paciência de lhes mostrar o que eu acho que é."

Um dos fundadores do Parque da Juventude
Pelos mcs algarvios já fez muito, pelos 'rollerbladers' (patinadores), propôs a criação de um Parque da Juventude e 'apertou' durante anos com a autarquia portimonense, para o formato de espaço verde que hoje em dia se apresenta em Portimão: " Durante oito anos foi constantemente pedido à Câmara um parque e, finalmente em 97 ou 98, não sei bem, foi feito o Parque da Juventude. Foi através do Clube de Bicross que antes existia na escola C+S Professor José Buísel com uma rampa lá, depois passou para umas rampas no ciclo, a D. Martinho Castelo Branco. Entretanto houve campeonatos de várias modalidades no parque com muito sucesso, e um abandono do município relativamente à sua manutenção", critica. Concorrentes, acha que não tem porque faz o que gosta, mas retira as suas maiores influências de djs como o Assassin e admira mcs como o Tonedeff, mete no reportório o 'hip hop' e o 'drum'n' bass' quando pode e, embora sinta necessidade até um certo ponto de separar o Gijoe do Rafael e não antecipe futuro para a sua música, não vê um término para aquele que nos dias de hoje nos põe a ouvir o seu 'scratch' pelos bares algarvios: "Ainda não vi razões para isso acontecer e nunca vou deixar de fazer música enquanto quiser, mesmo que não seja com a exposição que tenho, porque faço por prazer. Eu já tenho que recusar certos concertos porque não tenho tempo, ou seja, aqui já estou a distinguir as coisas e deixar para trás o Gijoe. Agora, fazê-lo intencionalmente, dizer que vai acabar aqui, não vejo essa necessidade. Tenho que aceitar que os dois já se ligaram."

Cátia Moreno in Edição Especial, n.º8 @ 14 Novembro 2007 (Qua) - 16:00

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