Reflect em entrevista ao H2T

21 de Abril de 2008: O HipHop Nacional via nascer um verdadeiro poeta.
Reflect em entrevista ao H2TRetirado de: H2T - www.h2tuga.net


Reflect - "Último Acto: 1986-2007"

21 de Abril de 2008: O HipHop Nacional via nascer um verdadeiro poeta.
Oriundo de Armação de Pêra, Reflect, fundador da Kimahera, acaba de lançar o seu primeiro álbum: "Último Acto: 1986-2007". Título irónico para um trabalho de estreia, que retrata "uma fase da vida que já lá vai" e uma passagem para um outro mundo.
Num disco tão pessoal e intimista, só mesmo o seu autor pode descodificar o verdadeiro significado por detrás de cada verso. Reflect, em discurso directo para o H2T.


H2T - Desde o concurso da Alcatel "Alarga a tua vida" que te consagrou vencedor na categoria HipHop, até ao lançamento deste teu álbum, como tem sido a tua evolução como artista?

Reflect - Depois do Alcatel, surgiram muitos convites para concertos e participações em projectos. Cresci, estou mais maduro enquanto pessoa e artista. Continuei a dar o máximo a cada faixa e a procurar sempre fazer melhor do que antes. Mantenho-me seguidor da mesma filosofia quando escrevo para qualquer instrumental; deixar que a melodia me leve para determinado tipo de sentimentos e pegar nos pedaços de coisas à minha volta para construir algo. A experiência permitiu-me chegar a melhores resultados tecnicamente, mas a essência mantém-se a mesma de sempre.


H2T - O Pedro Pinto e o Reflect são pessoas muito diferentes? Se sim, pede ao Pedro Pinto para falar sobre o Reflect e vice-versa.

Reflect - O Reflect faz parte do Pedro Pinto. "Reflect" é o meu espaço de liberdade. É a minha identidade para a música e é por ela que canalizo toda a energia dentro de mim, seja ela positiva ou negativa. O Pedro Pinto arrepia-se com a coragem e a determinação do Reflect. O Reflect acha estúpido o Pedro Pinto ter determinada postura para não ferir susceptibilidades. Reflect a essência, Pedro Pinto a "capa" social.


H2T - Como foi teres participado recentemente no Red Bull Music Academy Taster?

Reflect - Foi uma experiência intensa e muito enriquecedora. Tive o prazer de trocar impressões com pessoas que admiro muito. Conheci novos pontos de vista e houve uma partilha de experiências muito aberta e bilateral. Ajudou-me a alargar os horizontes em termos de música e percebi que seja qual for o estilo de música que te faz ficar horas a fio acordado, a paixão é tão, mas tão comum. O RBMAT consistiu num grupo restrito de artistas escolhido a dedo, colocado no mesmo espaço. Nesse espaço existia o equipamento necessário para cada um exprimir um pouco da sua arte. Eu como não sou muito da produção, exprimi-me na PS3 e dei-lhes umas sovas valentes no PES2008! Nesse espaço pudemos ainda assistir a "Lectures" com grandes nomes da música do mundo (gostei particularmente de ouvir o Carlos do Carmo, grande senhor!). A comida também foi algo diferente e saboroso. Organização impecável, um exemplo a seguir. Parabéns a todos!


H2T - Sendo este o teu CD de estreia, porquê o simbolismo - quase que paradoxal - do título "Último Acto: 1986-2007"?

Reflect - É o último acto enquanto adolescente de Armação de Pêra. O álbum marca a mudança daquele meu "pequeno" mundo para outro que é o estar agora em Lisboa com outros objectivos. Hoje tenho vontade de falar de outras coisas, passeiam-me diferentes preocupações pela cabeça e o tempo para a música é muito reduzido. O álbum foi feito antes desta fase e daí o 2007, apesar de ter sido editado em 2008. Não é um ponto final, mas sei que retrata uma fase da minha vida que já lá vai...


H2T - Apesar de ser um álbum direccionado para o "EU" interior, são diversas as faixas em que te diriges ao "TU". Como têm sido as reacções das pessoas a quem te diriges?

Reflect - Há diferentes "TU’s" ao longo do álbum. Não existem nomes, nem precisam de existir. Eu sei que quem me interessa que perceba, vai perceber. Quanto ao resto imaginem e inventem porque nunca vai passar disso mesmo (tem havido curiosidade em relação a alguns versos, sim). Fora de individualismos, há um TU mais geral que uso para me dirigir a qualquer ouvinte da música. Gosto de o fazer, gosto de falar directamente para as pessoas. Só preciso de sentir o orgulho nos olhos dos "TU’s" que complementam o meu EU. Essa reacção já a tenho.


H2T - Ao longo do disco são vários os temas que encaminham para esta questão. Como é que o HipHop te tem tratado?

Reflect - O saldo é positivo, sem dúvida. Conheci gente de todo o lado, fiz bons amigos e tive a oportunidade de conhecer muito mais deste país. Claro que pelo meio também tive de aturar algumas coisas menos boas, mas também faz parte. Sinto que valeu a pena, aproveitei e não me queixo.


H2T - Como é ser rapper em Armação de Pêra, e aos olhos de alguns "o filho do vereador, aquele do site armado em cantor, aquele rima com os pretos da Caixa"?

Reflect - Dá-me vontade de rir, esse tipo de rótulos. Foi essa ideia que tentei passar quando decidi meter esse verso na "Infinitamente". Só tenho pena que hajam pessoas tão pequenas capazes de tecer comentários do género. Não gosto de me preocupar com causas perdidas. Elas vão continuar a ser pequenas e eu vou continuar a rir-me.


H2T - Como tem corrido esta aventura da Kimahera? És da opinião que a editora poderia ter uma maior margem de progressão se fosse localizada em Lisboa?

Reflect - Não me arrependo e estou feliz por estarmos a deixar a nossa marca. Não acho que o facto de estar localizada no Algarve seja uma limitação
talvez até seja uma vantagem. Não temos o Colombo, mas a praia está aqui bem perto. No Algarve temos uma qualidade de vida diferente (superior, na minha opinião), há tempo e espaço para respirar. Há menos gente, há menos eventos, mas também há pessoas em escolas com leitor de mp3 apto para levar com trabalhos da Kimahera. Hoje em dia com a Internet essas barreiras físicas estão mais dissolvidas. Não é só nas grandes cidades que há pessoas competentes e com talento e trabalhamos todos os dias para provar isso!


H2T - O ambiente sonoro consegue seguir muito bem a linha dos temas, queres nos falar um pouco sobre as produções e os seus autores?

Reflect - A minha relação com os produtores e as produções, no âmbito do disco, foi semelhante. Disse a algumas pessoas que estava a pensar fazer algo e elas foram-me mostrando instrumentais. Como sou muito esquisito nesse aspecto, demorou algum tempo até reunir o que procurava. Os temas e as letras vieram do que essas melodias me transmitiram. Não escolhi nenhum instrumental por ser do Gijoe, do Dezze, do MeK0, etc, mas sabia que haveria de me identificar com algo feito por eles.


H2T - Seguindo o mote que é dado na música "Desafhino", sentes que no Rap nacional existe muita gente que se faz passar por aquilo que não é, e fala sobre aquilo que nunca passou.

Reflect - A música tem um verso ou outro sobre esse assunto, mas é bem maior do que isso. A minha ideia principal para a música parte do facto de mais se queixar quem menos faz. Qual é a moral de alguém para exigir algo se nunca fez por isso? Uma coisa é não ter oportunidades, isso compreendo... outra é tê-las e não as saber aproveitar! Vamos deixar de ser estúpidos. É muito fácil dizer que este país não presta, que somos isto e aquilo. Não há grandes empresas portuguesas? Não há atletas de topo portugueses? (...) Então? Qual é o problema? É falta de emprego? Trabalho há, somos é muito finos para tirar as mãos dos bolsos. É isso que é o Desafhino; é um "mexam-se, trabalhem e parem de se queixar por aquilo que os outros não fazem". Se todos cumprirmos a pequena parte que nos compete, certamente que teremos um país melhor no futuro.


H2T - Na faixa "A minha outra história" finalizas com a seguinte frase: Cheguei onde estou e para onde ia já não sigo" . Queres nos descodificar isso?

Reflect - "Cheguei onde estou" porque dei tudo para estar onde estou e para ter o que tenho hoje. Tive ajuda, claro, mas a iniciativa partiu sempre de mim. "Já não sigo para onde ia" porque os objectivos que tinha traçado para mim nos tempos de E.B. 2, 3 acabaram por mudar. Achei que poderia ser mais activo e fazer alguma diferença em vez de ficar a vida toda a trabalhar em frente a um PC, a enriquecer.


H2T - Fala-nos um pouco do que se trata o tema "Balada do Silêncio" que conta com participação no refrão do Dino.

Reflect - A Balada do silêncio é uma música feita para quem "cala e consente". Conheço demasiados exemplos e também eu já senti um pouco isso na pele. Às vezes basta mesmo acreditar. Chega de pensares que não tens valor, chega de aturares os teus colegas de turma a gozar contigo, chega de ouvires a tua família a dizer que deves ser isto ou aquilo. Não olhes as estrelas da janela como se fosse impossível seres uma delas. Valoriza o que tens, valoriza o que és e verás que este mundo também é teu. A mensagem é essa e que a melodia do Dino ajude a interiorizá-la!


H2T - O disco tem uma faixa bónus, " A sós com a Nostalgia", seguindo-se a esta uma faixa 19 "Reflexo da Sombra" que não aparece na tracklist. Existe algum conceito por trás desta escolha?

Reflect - "A sós com a nostalgia" foi uma faixa que fiz já depois de ter o álbum praticamente fechado. Deu-me para fazer algo do género e foi muito bem aceite. Achei que fazia todo o sentido incluir essa faixa no disco como faixa bónus, visto ser um aparte dentro do conceito do mesmo. "Reflexo da sombra" é uma espécie de terceira parte da música anterior. Se tinha ficado algo por dizer em relação ao assunto, ficou dito. No fundo foi aquilo que pensei na altura, mas que não disse.


H2T - Ao ouvir o álbum do principio ao fim, dá ideia que vais alternando entre euforia e depressão, não concordas? Porquê esse liricismo quase que - passando o exagero - maníaco-depressivo?

Reflect - Sim. Eu próprio tenho dias em que não consigo ouvir determinado tipo de faixas do álbum, depende muito.
O que acontece é que eu não tenho por hábito escrever. É preciso algo forte para que tenha vontade de o fazer. Esse algo forte pode ser negativo ou positivo, mas geralmente os positivos não me levam a ficar fechado no estúdio. A análise parece-me real, não tenho muitos argumentos para o explicar. É a minha maneira de sentir as coisas e de me exprimir. É através desses extremos que encontro o meu equilíbrio e tenho a minha paz. Preciso disso. É tão simples quanto natural, a vida é feita de coisas boas e más.


H2T - "Para vocês, fica a tarefa de escrever o resto desta história...". Qual a história que gostavas que escrevessem sobre ti?

Reflect - Eu fiz a minha parte. Gravei o álbum, tratei de todo o processo artístico e técnico, da promoção, etc. O álbum está disponível para quem o quiser ter. O sucesso e o "longe" que ele possa chegar depende agora das pessoas. A primeira fase do "resto da história" é esta, é ter o apoio das pessoas daqui para a frente. A segunda fase é conseguir mexer com alguma coisa através do conteúdo das músicas. Seja como for, agora já não depende de mim...


H2T - "Se amanhã partir e o destino me levar..." Se amanhã de facto fosse o fim, o que deixavas para fazer na música, ou seja, o que ainda queres fazer?

Reflect - Quero deixar mais música na história. Se não for minha, dos outros artistas da Kimahera. Sinto que todos eles têm algo a dizer que merece ser ouvido e vou dar o meu máximo para que todos o consigam fazer, a seu tempo. Pessoalmente, já fiz quase tudo o que queria fazer, em termos artísticos. Tenho o álbum que queria ter e só me falta conseguir apresentá-lo da forma que visualizo, todos os dias. Gostava de fazer um álbum com os restantes membros de Evolusom, falta isso.
Quero que a editora continue a permitir que boa música seja editada, acreditem que é o principal objectivo. Para tal é preciso que as pessoas comprem os nossos cds.
Ao H2T, como já vos disse, continuem fazer o trabalho que poucos querem fazer, que ainda menos têm noção de quanto custa, mas que todos querem ver feito. Obrigado e parabéns!

  Ver mais informação

Ivo Alves para H2T @ 12 Maio 2008 (Seg) - 17:00

Artistas Relacionados

Reflect

Reflect

MC