"As Portas que Abril Abriu" de Ary dos Santos por Napoleão Mira.
Para que a memória não seja coisa vã. É importante recordarmos o poeta e os homens que nos devolveram esse bem tão precioso como o ar que respiramos. A NOSSA LIBERDADE!
Voz: Napoleão Mira | https://fb.com/NapoleaoMiraEscritor
Videoarte: João Espada | https://fb.com/joaoespadavisualart
Música: Rafael Correia (Sickonce) | https://fb.com/sickonce
Realização e Edição: Pedro Pinto
Fotografia e Câmara: Rafael Correia
Assistente de Produção: Joana Gomes | Mauro Cunha | João Mestre
Apoio Técnico: Ivo Perpétuo | Gonçalo Santos (GPS) | Município de Lagoa
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"As Portas que Abril Abriu"
José Carlos Ary dos Santos, 1975
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
- pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.